segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Crítica: Azul é a Cor Mais Quente (2013)


Cercado de polêmicas dentro e fora das câmeras, Azul é a Cor Mais Quente (La vie d"Adèle), do diretor Abdellatif Kechiche, foi sem sombra de dúvidas o filme mais esperado desse final de ano após ser aclamado com o prêmio máximo no Festival de Cannes. Depois de estrear mundialmente em outubro, o longa demorou um pouco para chegar no Brasil, fazendo com que a ansiedade só aumentasse. Mas a espera valeu a pena. E como!


A trama acompanha Adèle (Adèle Exarchopoulos), uma jovem de 17 anos que vive uma vida aparentemente monótona, de casa para a escola e da escola para casa. Morando com os pais, ela recebe pouquíssima atenção dos mesmos, e nem demonstra interesse em mudar isso. No colégio, além das aulas de literatura, passa o intervalo junto de um grupo de amigas, que só sabem falar de homens, e que a incentivam a ficar com garotos.

Numa dessas ela acaba ficando com Thomas (Jérémie Laheurte), mas relação dos dois acaba sendo bastante vaga, principalmente por conta de Adèle. O sexo entre eles não a satisfaz, e sentimos isso nas suas feições. Ela não queria estar ali. Ela não se sente bem fingindo algo que não sabe bem o que é. Por esse motivo acaba terminando o rápido namoro, arrasando o coração do garoto apaixonado. O curioso porém, é que no primeiro encontro dos dois, ela passa na rua e troca olhares com uma menina estranha, de cabelos azuis, que chama sua atenção. Mal sabe ela que o encontro das duas mais para a frente mudará para sempre sua vida.


A garota fica tanto na sua cabeça, que Adèle acaba tendo um sonho erótico e quente com ela, naquela mesma noite. Atordoada, sem saber o que quer da vida em pleno período de descobertas do corpo e da mente, ela resolve sair à noite com seu amigo gay Valentin (Sandor Funtek), frequentando bares GLBT pela cidade. Numa dessas, encontra a tal menina do cabelo azul, que descobre ser Emma (Léa Seydoux), uma estudante de Belas-Artes com quem conversa e troca o telefone.

As duas começam então a se encontrar durante o dia para falar de livros, filosofia e arte. Emma é uma artista, pinta quadros por hobby, mas também para ganhar a vida. Ela sonha ter suas obras expostas em uma grande galeria. A diferença de vida entre ambas fica gritante quando Emma leva Adèle até sua casa, onde seus pais são extremamente abertos quanto a sexualidade da garota.

Os detalhes chamam a atenção. Um beijo com um pôr do sol surgindo entre as bocas, um sorriso sem graça, uma mão que toca a outra de forma inesperada. Essas situações comuns são apresentadas de maneira única por Kechiche, exaltando as peculiaridades da vida da protagonista.


O romance entre as duas vai surgindo aos poucos, com muita simplicidade. Para Emma tudo é normal, mas para Adèle tudo passa a ser um aprendizado. Vamos sendo conduzidos de maneira singela até chegar às polêmicas cenas de sexo. O diretor não se exime de mostrar cenas longas, com mais de 10 minutos, de sexo explícito com direito a close em regiões genitais. Nas exibições nos cinemas, certamente muitos deixaram a sala nesse momento.

Porém, é triste acompanhar essa polêmica toda gerada em cima de algo tão natural e humano. Alguns criticam a longa duração das cenas, mas o que esperar de um filme de quase três horas que prioriza os detalhes? Apesar de explícitas, as cenas não são desnecessárias, e se encaixam perfeitamente com o enredo, para desespero dos moralistas de plantão.


É um filme sobre romance e desejo, e não pode ser taxado como um simples filme de temática homossexual, até porque trata de uma história de amor que se encaixaria em qualquer outro estereotipo. A universalidade dos diálogos, das cenas, dos olhares, acaba trazendo uma identificação única com o espectador. O diretor não busca mostrar o preconceito contra homossexuais (com exceção da cena em que Adèle é renegada pelas amigas quando elas descobrem sua verdadeira vida secreta), mas sim, a relação de forma natural, como ela de fato é.

O enredo é perfeito. São quase 3 horas em que o tempo não passa, e você se sente dentro da tela acompanhando pessoalmente a estória. O filme prende pelas vigorosas sequências, e as cenas em conjunto vão formando uma expectativa enorme em torno do final. Aliás, o trabalho do diretor é fenomenal, tanto na condução da passagem de tempo, como na extração vívida das atuações.


Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux são viscerais em seus papéis, dando uma veracidade ao filme poucas vezes visto na atualidade. Algumas cenas impressionam, como a briga que as duas têm após a suspeita de traição de Adèle. Se tem uma cena que mostre o quão perfeitas foram as suas atuações, essa certamente é a mais indicada. Não é a toa que ambas dividiram o prêmio de melhor atriz em Cannes, fato inédito até então na história do festival.

Outro ponto que impressiona é o quanto Adèle cresce junto com a trama, não só na aparência, como na personalidade. A menina do início do filme já parece uma mulher no final, e apesar de estar acabada por dentro com algumas situações que ocorrem, tem que fazer força para disfarçar enquanto dá aulas para crianças de uma escola infantil.


Com um final primoroso, o filme mereceu o prêmio máximo em Cannes. Sua presença é tão forte, que o Óscar pensa rever suas regras para os próximos anos, após a França não ter escolhido-o para representar o país no prêmio de filme estrangeiro. Uma bela história de amor, amadurecimento, e descoberta da sexualidade. Uma estória embalada pelo forte uso da cor azul, que quando desaparece, deixa tudo frio. Um dos melhores (se não o melhor) filmes do ano.


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