quarta-feira, 19 de março de 2014

Crítica: Ninfomaníaca: Volume 2 (2014)


Finalmente chegou ao fim o mistério que existia sobre a segunda parte do mais longo e polêmico filme de Lars Von Trier. Se a primeira chamou a atenção pelo humor, a segunda priorizou a dramaticidade e a melancolia, e apesar de inicialmente ser tudo parte de um mesmo filme, é bastante evidente a diferença entre ambos.


Ninfomaníaca: Volume II (Nymphomaniac: Volume II) continua exatamente do ponto onde o primeiro parou, mas logo retrocede rapidamente aos 12 anos de Joe, onde ela define o seu primeiro orgasmo e a visão transcendental que teve no momento. Seligman (Stellan Skarsgard) aproveita a história e monta um paradoxo com uma famosa imagem cristã, dando início desde cedo à polêmica, que Von Trier tanto adora.

A principal característica de ambas as partes são as digressões dos personagens de Joe e Seligman. Os diálogos tomam conta de boa parte do tempo, e são recheados de influências literárias, filosóficas e até mesmo musicais, chegando às vezes a fugir do tema principal, ainda que retorne subsequentemente. O personagem de Seligman aparece mais, e tem uma abordagem um pouco mais intimista nessa segunda parte, e finalmente acabou ganhando seu espaço merecido.



Seguindo a narrativa em forma de capítulos, dessa vez Joe está casada com Jêrome (Shia LeBoeuf), e está prestes a dar à luz a um menino. Com o advento do filho na vida do casal, e principalmente da rotina, a vida sexual dos dois acaba sofrendo uma perda significativa, e isso acaba deteriorando a cabeça de Joe. Ela continua com seu desejo incontrolável, enquanto Jêrome ressente por não conseguir mais dar conta, e após uma conversa séria, ambos optam por uma medida drástica: Joe continuará morando junto com Jêrome e o filho, mas está livre para transar com outros homens.

Nessa busca por prazer exterior, ela acaba se metendo em situações bastante incomuns e degradantes. Numa dessas conhece K. (Jamie Bell), com quem passa a ter sessões de sadomasoquismo (com cenas fortes e realistas ao extremo). Nesse mesmo período, por conta de suas saídas constantes de casa, ela acaba neglicenciando os cuidados com os filhos, o que faz com que Jêrome vá embora definitivamente com ele.


O capítulo 7 começa com uma Joe diferente após o drama familiar. Desesperada, ela começa a buscar ajuda em grupos de apoio, com mulheres que vivem seu mesmo problema. Porém, com o tempo, ela percebe que no fundo não está fazendo nada de errado, e o discurso dela em frente às outras mulheres é de se aplaudir de pé.

O filme frisa bastante no fato de que, se Joe fosse um homem, talvez suas atitudes quanto a sexo seriam aceitas com muito mais facilidade. No final, Seligman comenta sobre isso brilhantemente. Afinal, por que uma mulher não pode ser livre para sair com quantos homens quiser? Por que ela não pode buscar prazer, mesmo que seja através das situações mais curiosas? Por que ela tem que ser refém de uma sociedade hipócrita, que a olha com desdém enquanto guarda para si os segredos mais obscuros de sua própria sexualidade? 



De todas as cenas polêmicas, talvez a do pedófilo seja a que mais choca. Ao descobrir a preferência sexual de um homem por crianças, Joe se solidariza com ele, afinal, ambos vivem transtornos sexuais que necessitam esconder, e vivem culpados diariamente por ter que conviver com essa sua condição. Se ele nunca fez nada de mal a ninguém, qual a culpa que ele tem de carregar esse fardo, esse desejo incomum? Serve como um tapa na cara de quem julga os outros sem se colocar no lugar, e é uma das partes mais interessantes do longa sem dúvida alguma.

A parte menos interessante, porém, é a final. Parece que toda a estrutura cuidadosamente planejada nas primeiras horas desmorona nos últimos 30 minutos. Depois que Joe começa a dividir o apartamento com P. (Mia Goth), uma menina bem mais nova, e as duas começam a ter relações, a história parece se perder. Além disso, Joe consegue um emprego estranho, de cobrança de dívidas, que culmina no reencontro mal elaborado com Jêrome. 



Assim como na primeira parte, a sequência também possui uma belíssima fotografia, com uma estética diferente de outros filmes do diretor. As atuações não são impressionantes, mas também não decepcionam, e a trilha sonora continua excelente. O único deslize narrativo, ao meu ver, foi a troca repentina de atrizes em um dado momento, fazendo Joe envelhecer praticamente vinte anos em três.

No mais, trata-se, sem dúvida, de um filme que vai ficar marcado para sempre como um dos mais impactantes da carreira de Von Trier. A viagem pela vida de Joe certamente vale a pena, ainda que não seja um filme fácil de engolir. O final é uma verdadeira crítica ao lado perverso da natureza humana, onde ninguém escapa, por mais caráter que pareça ter.



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