quinta-feira, 8 de maio de 2014

Crítica: A Imagem que Falta (2014)


Basta apenas alguns segundos para perceber que A Imagem Que Falta (L'Image Manquante) é uma experiência única no mundo do cinema e que você dificilmente verá algo igual em anos. Muito elogiado em diversos festivais pelo mundo, e finalista ao Óscar de melhor filme estrangeiro em 2014 (primeiro filme Cambojano a ir tão longe), o documentário auto-biográfico do diretor Rithy Panh já pode ser considerado uma obra-prima do gênero.



Entre 1975 e 1979, o Camboja viveu um período de trevas na sua história sob o comando do Khmer Vermelho. O grupo, liderado por Pol Pot, instaurou no país um comunismo extremo, que mudou a vida de grande parcela da população. Todos os habitantes perderam sua liberdade individual e até mesmo seu nome, sendo obrigados a se reciclar com a ideologia imposta. Qualquer manifestação cultural ou qualquer um um que tivesse ideias diferentes era torturado e morto com requintes de crueldade, no que resultou em um dos maiores massacres do século XX, onde um terço da população local foi dizimada.

Famílias foram separadas e transportadas em trens para trabalharem como verdadeiros escravos em lavouras de arroz, onde passaram fome e foram obrigadas a viver uma vida abaixo da miséria. Tudo isso em nome de um ideal de igualdade que acabou virando um ideal de ódio. Entre essas famílias destroçadas estava a do diretor Rithy Panh, que agora cinquentenário resolveu contar tudo que presenciou.



O mais interessante de tudo, e o que realmente faz o filme ser diferenciado, é que todas as atrocidades cometidas são mostradas através do uso de bonecos de argila, esculpidos com uma riqueza de detalhes impressionante. Enquanto assistia, só conseguia pensar no árduo trabalho de produção, onde mais de mil bonecos foram utilizados, cada um com uma expressão diferente no rosto, criando uma identidade visual impecável. Além disso, as pequenas maquetes que compunham todo o visual do filme também foram incrivelmente bem feitas, e por vezes esquecemos de que não se trata de imagens reais. 

É com o uso desses bonecos que entra a grande metáfora com o nome do filme. Um cinegrafista contratado pelo governo da época filmou boa parte dos eventos, mas deixou de lado as cenas de barbárie, mostrando só o lado bom da revolução. Algo parecido aconteceu com Hitler na Alemanha nazista, que mostrava o lado bom dos campos de concentração e escondia o lado genocida das câmaras de gás. Então, a retratação através dos bonecos de argila fala justamente das imagens que o governo não mostrou, ou seja, as imagens que faltaram para mostrar ao mundo toda a verdade por trás do regime.



Não pensem vocês que o uso dos bonecos aliviou a história. Os bonecos trazem em si uma agonia que atores de verdade dificilmente conseguiriam. Muito menos espere que eles se mecham, como é costume em filmes de Stop-Motion. E é justamente essa forma estática que faz com que eles sejam mais verdadeiros e até mesmo "humanos".

O diretor critica de forma dura e com bastante ironia o sistema comunista, que no papel parecia ser algo lindo, mas na prática era algo completamente diferente. Uma ideologia que buscava o fim das classes sociais e lutava pela igualdade de todos, mas diferenciava os líderes e os ricos do restante da população.

A narração de Randal Douc, em francês, é algo a parte, até porque somente ele que "aparece" durante todo o tempo. Apesar de evitar fazer julgamentos, há uma forte e grave raiva contida na voz, principalmente nas cenas em que aparece o ditador Pol Pot. É também explícita a sua tristeza ao contar os fatos mais tristes, como o da mãe que foi arrastada após roubar comida para alimentar seu filho. E há até um certo grau de culpa, quando o diretor deixa claro que gostaria de fazer muito mais do que um filme para fazer com que esse passado jamais fosse esquecido.


Por fim, A Imagem que Falta é mais do que uma autobiografia, como ficou retratado ao longo da crítica. É um verdadeiro tratado contra uma entre tantas outras ditaduras que assolaram o mundo no século passado (e ainda continuam, infelizmente). Conquistar destruindo é uma metáfora perfeita e simples que se encaixa com a busca pelo progresso de forma indiscriminada e desigual. Palmas para Rithyn Panh.


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