quinta-feira, 31 de julho de 2014

Crítica: Miss Violence (2013)


Da mesma escola de Dente Canino (Giorgios Lanthimos, 2009), Miss Violence, do diretor Alexandro Avranas, é mais um trabalho arrebatador dessa nova geração do cinema grego. Incômodo e pessimista, o longa aborda a subordinação que o medo provoca nas pessoas e principalmente o quanto elas se tornam indefesas contra isso.



Na festa do seu aniversário de 11 anos, Angeliki (Chloe Bolota) se joga fatalmente da sacada do apartamento onde morava junto com a mãe, os avós, e seus três irmãos. Mas afinal, qual seria o motivo para um ato tão desesperado de alguém tão jovem? Ao ver a cena, percebemos no olhar da menina, segundos antes de se atirar, que há algo muito perturbador por trás de tudo, embora ela tenha tempo de olhar para a câmera e dar um último sorriso, como se aquilo fosse uma espécie de libertação.

Num primeiro momento, a polícia trabalha com a hipótese de negligência dos familiares, que não teriam enxergado a situação da menina. Eles no entanto se defendem, dizendo que ela jamais havia apresentado sinais que justificassem sua atitude. Nesse ínterim, começam a surgir uma série de boatos, que vão criando um clima de mistério ao redor de todos os acontecimentos.



A desconstrução da família "feliz" que se vê no início vai sendo feita paulatinamente, e se completa na ausência de afeto e as punições vexatórias e cruéis em que são colocadas as crianças. Inclusive, uma cena muito marcante é quando eles decidem punir o menino por seu mal comportamento na escola, mandando sua irmã mais nova dar tapas em sua cara insistentemente.

O avô das crianças (Themis Panou) é o patriarca da família, sendo considerado um pai por todos. Com uma personalidade ditatorial, por vezes maníaca, tudo que ele fala se torna uma ordem, reprimindo os demais membros da família de forma violenta. A avó das crianças (Reni Pitakki) é ainda mais estranha, e traz em si um silêncio assustador. Por fim tem a mãe das crianças (Eleni Roussinou), que parece não ter peso de decisão nenhum em meio àquele ambiente hostil.

Aos poucos a verdade por traz do comportamento dessa família vai sendo dissecada, e da forma mais crua possível. O enredo introspectivo e silencioso prioriza os detalhes, e o desfecho é sufocante. Sei que absurdos existem em toda parte do mundo, mas é difícil aceitar que tudo o que é mostrado em cena pudesse realmente acontecer na vida real. Porém, do ser-humano nada me surpreende mais.



Quase todo filmado dentro do apartamento, é possível verificar um trabalho primoroso das câmeras. A ausência de trilha sonora acentua ainda mais o vazio que há naquele ambiente, e as atuações preenchem isso com excelência. Por fim, Miss Violence é um dos filmes mais interessantes de 2013, e os elogios e prêmios em diversos festivais europeus foram merecidos.


segunda-feira, 28 de julho de 2014

Especial: 5 bons filmes que se passam durante a Primeira Guerra Mundial

Há exatos 100 anos, iniciava na Europa um dos piores conflitos armados que o mundo já presenciou, a Primeira Guerra Mundial. No mundo do cinema, a lista de filmes que se passam no período é muito inferior à lista de filmes que se passam durante a Segunda Guerra, mas ainda assim é possível encontrar boas histórias. Para lembrar a data que mudou o mundo para sempre, trago para vocês uma lista de 5 bons filmes que se passam durante o conflito histórico. Confira:

1. Glória Feita de Sangue (1957)

Dirigido por Stanley Kubrick, Glória Feita de Sangue (Paths of Glory) conta a história de quatro soldados franceses que foram executados pelo seu próprio exército para encobrir um erro de estratégia de um general, que ordenou um ataque quase "suicida" contra o exército rival. O filme mostra com muita veracidade todos os horrores que eram cometidos durante uma das piores guerras que o mundo já viu. 

2. Feliz Natal (2005)

Esse excelente filme de 2005 conta uma história inusitada e pouco conhecida que ocorreu durante o conflito. Em 1914, os exércitos franceses, escoceses e alemães deixam suas trincheiras para confraternizar durante a noite de natal, e isso é suficiente para mudar a vida e a percepção de humanidade dos soldados envolvidos. O enredo critica sobretudo o fato de que os verdadeiros incentivadores da guerra assistem tudo detrás de suas mesas, enquanto inocentes se matam nos combates.

3. Nada de Novo no Front (1930)

Lançado alguns anos depois da Primeira Guerra, o filme se baseou no livro de Erich Maria Remarque, e conta a história de um jovem soldado que fica desiludido e traumatizado após conviver com os horrores dos campos de batalha. Foi mais um dos filmes "anti-guerra" que infelizmente não serviram para evitar a Grande Guerra que veio anos depois.


4. O Barão Vermelho (2010)


O Barão Vermelho (Der Rote Baron) mostra os últimos anos de vida de Manfred vin Richthofen, principal personagem da aviação alemã na Primeira Guerra. Com a alcunha de Barão Vermelho, ele recebeu as maiores honrarias militares da época, e principalmente o respeito dos exércitos inimigos, que chegaram a saudá-lo após sua morte.

5. Flyboys (2006)


Enquanto O Barão Vermelho mostrava o personagem principal da aviação alemã, Flyboys retratava a história do primeiro esquadrão de pilotos americanos a lutar na Primeira Guerra, que combateram em nome da França antes dos Estados Unidos entrarem de vez no conflito.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Crítica: Os Belos Dias (2013)


Baseado no romance "Uma Jovem Mulher de Cabelos Brancos", de Fanny Chesnel, Os Belos Dias (Les Beaux Jours) conquistou público e crítica desde que foi lançado no ano passado, com uma história sensível e apaixonante que aborda a relação de uma mulher madura com um rapaz que tem quase a metade de sua idade.


Caroline (Fanny Ardant), uma dentista de 60 anos recém aposentada, perdeu sua melhor amiga há 5 meses e desde então vive seu luto particular. Ela carrega em si um sentimento de perda muito grande, principalmente ao perceber que os anos passaram e ela não conseguiu fazer tudo o que gostaria de ter feito.

Numa tentativa de levantar seu astral, suas duas filhas já adultas lhe dão de presente um cartão de matrícula para o Les Beaux Jours, um conhecido clube de idosos que possui inúmeras atividades para quem chegou a velhice e não quer ficar em casa tricotando em frente à televisão.


Ela primeiramente odeia o lugar e decide nunca mais voltar, mas após ter problemas no seu computador pessoal, ela resolve retornar ao local com a intenção de assistir apenas as aulas de informática, dadas por Julien (Laurent Lafitte). Não demora muito para que os dois comecem a se encontrar também fora do clube. Mesmo sendo casada, Caroline se entrega de corpo e alma nessa relação com o jovem professor, que tem a idade de suas filhas.

É interessante a abordagem que o diretor faz sobre a sexualidade na terceira idade, e sobre a culpa que muitas pessoas sentem por conta disso. Mais que isso, mostra o preconceito das outras pessoas, como no momento em que o marido descobre a traição e pergunta se ela "não se enxerga no espelho".


Caroline sabe que Julien se encontra com outras, e sabe também ser impossível competir com as mulheres mais jovens. No entanto, ela vai levando a relação e tenta aproveitar o máximo disso enquanto ela durar. É muito comum conhecermos pessoas ao longa de nossas vidas que ficam pouco tempo do nosso lado mas que mudam nosso jeito de pensar a vida. A relação momentânea entre Caroline e Julien fez ela enxergar tudo com novos olhos dali em diante e melhorou inclusive sua relação com o marido, onde ambos voltaram a sentir o que pareciam ter esquecido com o tempo.

As atuações são muito boas, principalmente de Fanny Ardant. Ela mostra uma vitalidade impressionante, e uma sensualidade incrível no alto de seus 65 anos. A trilha sonora também encanta, além da bela paisagem praiana. Por fim, Os Belos Dias não deixa de ser clichê, mas é um clichê gostoso de assistir, que tem sua própria originalidade e faz a gente sentir algo bom quando termina.


quarta-feira, 9 de julho de 2014

Critica: Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014)


Quando assisti em 2010 o curta-metragem Eu Não Quero Voltar Sozinho, me apaixonei pela história e logo imaginei que o enredo daria um excelente filme. Por esse motivo, fiquei contente ao saber que o diretor Daniel Ribeiro estava iniciando em 2013 as filmagens de um longa que traria os mesmos personagens, dessa vez mostrados de forma mais completa e intensa. E para minha alegria, ele conseguiu superar todas as minhas expectativas.


A trama acompanha Leo (Guilherme Lobo), um jovem cego que busca entre conversas e divagações junto de sua melhor amiga Giovana (Tess Amorim) um sentido para a vida e algumas respostas para as dúvidas que a idade traz. Seu grande sonho é dar o primeiro beijo em uma garota, ao mesmo tempo em que receia nunca poder realizá-lo por ser "diferente". Na escola ele é um garoto aplicado, mas sofre diariamente nas mãos dos colegas, que se aproveitam de sua condição física para aplicar brincadeiras de mau gosto.

Quando um aluno novo entra na turma, não demora para que ele, Leo e Giovana criem uma dinâmica, formando um trio inseparável que por fim acaba se transformando em uma espécie de triângulo amoroso. Gabriel (Fabio Audi) é um garoto inteligente e gentil, que logo se compadece da situação de Leo e passa a ajudá-lo em tudo que ele precisa, criando ciúmes em Giovana.



É engraçado como inicia essa relação entre Gabriel e Leo. O primeiro, inocentemente, sempre esquece que o amigo não enxerga, e acaba cometendo gafes como "você viu aquele vídeo que todo mundo está comentando?" ou "vamos ao cinema hoje?". Mas uma coisa eles podem dividir de igual para igual: o gosto pela música, e as canções trocadas entre eles dizem muito sobre cada um.

Uma das cenas mais memoráveis é quando Gabriel explica para Leo o que é um eclipse. A simplicidade da cena emociona, principalmente por se tratar de uma amizade sem nenhuma espécie de interesse. O diretor foge de qualquer esteriótipo ao mostrar a relação homossexual que nasce entre eles. Tudo é mostrado com tanta naturalidade que a questão acaba ficando para segundo plano, como deveria ser sempre.

O final é belíssimo, com Leo realizando alguns dos seus principais sonhos, desde os mais simples como andar de bicicleta aos mais complexos, como ser aceito pelo o que ele realmente é e descobrindo finalmente o seu lugar no mundo.



Por fim, o filme é uma grata surpresa, e não decepciona quem, como eu, estava esperando algo a altura do curta. O diretor usa bem o tempo a mais para aproveitar ao máximo cada um dos personagens, e a simplicidade do enredo é a característica mais marcante. O humor singelo e as boas atuações são apenas mais alguns dos pontos positivos, desse que já é para mim o melhor longa nacional do ano.


terça-feira, 1 de julho de 2014

Especial: 10 anos da morte de Marlon Brando


Um rebelde de gênio difícil e personalidade explosiva, que ao mesmo tempo era um amante dos animais e um influente ativista dos direitos civis americanos. Apesar da vida controversa, o fato é que Marlon Brando é considerado (e com razão) um gênio quando se fala em atuar, sendo considerado por unanimidade um dos melhores atores que o cinema já viu.


Nascido em 3 de abril de 1924, Brando viveu sua infância em uma família difícil junto com mais duas irmãs, no vilarejo de Libertyville, no estado do Illinois. Seu pai ganhava a vida vendendo produtos químicos, e não era nada afetuoso com as crianças. Na sua biografia, Brando chegou a declarar que seu pai o beijava apenas uma vez no ano, na noite de natal. Já sua mãe era uma atriz de teatro extravagante que tinha sérios problemas com o alcoolismo. O ator também declarou que teve que ir diversas vezes buscar ela em bares da cidade, onde ela estava adormecida em cima da mesa.

Essa infância conturbada possivelmente foi o motivo dele ter crescido e se tornado um verdadeiro delinquente na adolescência. Aos 16 anos foi expulso da escola após escrever no quadro negro usando gasolina e posteriormente atear fogo. Matriculado numa academia militar, passou a ter aulas de teatro no local antes de ser novamente expulso, o que fez com que ele definitivamente desistisse de estudar.

Porém, ao ir para Nova York atrás de suas irmãs, Brando pegou gosto pela vida artística e passou a aprimorar suas técnicas de atuação em aulas de teatro com a famosa professora Stella Adler. Foi graças às aulas que ele conseguiu seu primeiro papel de destaque, na peça Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams.



No cinema, seu primeiro papel foi no longa Espírito Indômitos, de 1950, onde ele interpreta um veterano da Segunda Guerra Mundial ferido em combate que tenta se adaptar novamente à vida civil, mas que se sente angustiado por estar preso a uma cadeira de rodas. O filme fez sucesso e chegou a concorrer ao Óscar de melhor roteiro, fato que engrandeceu ainda mais a sua primeira aparição nas telas.

Sua segunda aparição no cinema veio em Uma Rua Chamada Pecado, adaptação da peça que ele já havia protagonizado e chamado a atenção. Dirigido por Elia Kazan e contracenando ao lado de Vivien Leigh, ele deu vida ao memorável Stanley Kowalski, um rude trabalhador operário que passava seu tempo livre entre bebidas, jogos de cartas e boliche. Brando foi indicado ao Óscar de melhor ator coadjuvante, e apesar de ser o franco favorito, acabou perdendo.



Viva Zapata! e Julio César, lançados respectivamente em 1952 e 1953, renderam mais duas indicações ao Óscar de melhor ator pra Brando, mas ambas sem sucesso. Ele só conquistaria o prêmio em 1954, pelo excelente Sindicato de Ladrões, novamente dirigido por Elia Kazan. Um ano antes, ele havia se tornado um ídolo da juventude da época ao protagonizar O Selvagem, onde dava vida a um motoqueiro líder de uma gangue. Sua vestimenta e sua rebeldia influenciaram outros nomes da cultura pop como James Dean e o próprio Élvis Presley. Naquela época, Brando chamou a atenção principalmente das mulheres por conta da sua beleza, que o transformou no mais novo símbolo sexual daquela geração.

Na segunda metade da década de 50, ele filmou mais 4 filmes, todos de pouca expressão: Garotos e Garotas, Casa de Chá do Luar de Agosto, Sayonara e o drama de guerra Os Deuses Vencidos. Já na década de 60, fez uma sequência de três bons filmes, sendo o mais famoso deles o drama Vidas em Fuga, dirigido por Sidney Lumet. Em 1961, o ator se arriscou pela primeira e última vez na direção, no faroeste A Face Oculta, que era para ter sido dirigido por Stanley Kubrick.

Ainda na década de 60, Brando faria parte de alguns filmes polêmicos. O primeiro deles foi Caçada Humana, de Arthur Penn, onde é vítima de uma longa cena de espancamento. Em Queimada!, filme que retratava historicamente a colonização americana e a luta entre espanhóis e portugueses que levou a dizimação quase total dos indígenas, Brando interpretou aquele que ele mesmo sempre declarou ter sido seu personagem preferido na carreira.

Depois de mais uma série de filmes pouco conhecidos, sua carreira alcançou níveis astronômicos no começo dos anos 70. Em 1972 ele protagonizou o clássico O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola, onde deu vida a Don Vito Corleone. A atuação inesquecível rendeu o segundo Óscar da sua carreira, que ele não aceitou em protesto contra a visão que Hollywood fazia dos índios em seus filmes. No mesmo ano, contracenou com Maria Schneider em O Último Tango em Paris, de Bernardo Bertolucci, um dos filmes mais polêmicos da década e um verdadeiro sucesso de bilheteria e crítica.



Em 1976, Brando contracenou com Jack Nicholson no faroeste Duelo de Gigantes, de Arthur Penn. Mas foi em 1979, novamente sob a direção de Coppola, que ele voltou a alcançar o sucesso dos filmes anteriores. Apocalypse Now é até hoje considerado um dos melhores filmes de guerra já produzidos, e mesmo com uma participação curta, seu personagem é extremamente importante para a história.

O filme de Coppola ficou marcado como sendo o último grande sucesso de Brando, que já estava em um processo acelerado de decadência física e resolveu viver seus próximos anos recluso em uma ilha da Polinésia Francesa. Obeso e vivendo na sombra do que um dia foi, ele passava seus dias assistindo filmes antigos, não recebia mais amigos, não atendia telefonemas, e recusava papéis importantes no cinema como Karl Marx, Pablo Picasso e Theodore Roosevelt.


Devido a problemas financeiros, ele aceitou voltar às telas em 1989, mas sem aplacar nenhum sucesso. Chegou a filmar uma paródia sem vergonha de O Poderoso Chefão chamada de Um Novato na Máfia, que como era de se esperar foi um verdadeiro fracasso. Os problemas pessoais, no entanto, voltaram a chamar muito mais atenção do que sua carreira.

Ao longo de sua vida Brando se casou três vezes, mas quando se fala em relacionamentos amorosos (seja com desconhecidas, seja com celebridades), é impossível chegar a um número final. Diz-se que ele possui mais de 15 filhos espalhados pelo mundo, ainda que a maioria não seja reconhecida pelo mesmo. Essa sua falta de compromisso com a família pode ter sido a causa de dois fatos trágicos: a prisão de seu filho Christian após matar o namorado da irmã, Cheyenne, e o suicídio dela anos mais tarde, em 1995, quando estava no auge da depressão.

Por fim, são poucos os atores que conseguem encantar o público logo em seu primeiro filme, e disso Marlon Brando podia se vangloriar. Era impossível não amá-lo em cena, mesmo que estivesse no papel de um personagem repugnante. No entanto, sua vida pessoal conturbada acabou criando uma visão odiosa acerca de si, que infelizmente destruiu sua carreira, sua família e sua vida. Mesmo assim, o que ele fez ao cinema ficou na história, e isso nunca será apagado. E para mim, é isso que realmente importa.