sábado, 19 de setembro de 2015

Crítica: Que Horas Ela Volta? (2015)


Eleito melhor filme pelo júri popular no festival de Berlim deste ano e aplaudido de pé no festival de Sundance, Que Horas Ela Volta? é a representação do cinema nacional em sua melhor forma, e já pode ser considerado um dos melhores filmes brasileiros da década. Com um olhar crítico sobre a sociedade e seus preconceitos velados, o longa estrelado por Regina Casé foge de qualquer esteriótipo do gênero e nos mostra uma história emocionante e extremamente humana.


Val (Casé) é uma pernambucana carismática que deixou sua terra natal para tentar a sorte em São Paulo. Há anos ela trabalha como empregada de uma família rica do Morumbi, onde mora no local e divide o tempo entre os afazeres domésticos e o cuidado com o filho da família, Fabinho (Michel Joelsas).

Certo dia, Val recebe o telefonema de sua filha Jéssica (Camila Márdila) que ela não vê há 10 anos, informando que está vindo para São Paulo para prestar o vestibular em uma importante faculdade e precisa de um lugar para ficar. Com o consentimento dos patrões, Val traz a filha para a casa deles até ela arrumar um lugar para alugar.

De forma espontânea, Jéssica vai adentrando na família questionando tudo que vê, desde valores e conceitos até o lugar de cada um. Ela é a figura que chega para desconstruir tudo o que Val achava certo, pois diferentemente da mãe, ela não aceita ser tratada como "inferior", e busca seu espaço de pescoço erguido e personalidade forte.


O filme aborda com muito bom humor essa relação que existe entre patrões e empregados, e foge de qualquer tipo de clichê que se poderia imaginar. Com extrema simplicidade, o enredo nos mostra que, mesmo que implícito, o preconceito entre classes sociais ainda é latente, e isso fica evidente por exemplo, quando Jéssica entra na piscina da casa e no dia seguinte a dona chama alguém para "desinfectar" a água com a desculpa de que teria entrado um rato.

Outro ponto interessante do filme é que grande parte das cenas se passam na cozinha da casa, com a câmera estática, deixando apenas uma fresta da porta para vermos o que acontece do lado de fora. Uma excelente perspectiva da visão que a empregada tem e do seu lugar na família, que gosta muito dela mas impõe os limites de onde ela pode ou não ir.



Tem ainda a questão entre Val e Fabinho. Como a mãe vivia para o trabalho, o menino acabou passando muito mais tempo da sua vida com a empregada do que com ela, e o nome do filme é justamente a pergunta que o garoto fazia quando era pequeno, sobre o horário que sua mãe voltaria para casa. Além disso, o nome em inglês também não poderia ser mais pertinente: The Second Mother (A Segunda Mãe), já que Val acabou sendo uma mãe para Fabinho, o que por motivos de sobrevivência, ela não conseguiu ser para Jéssica.

A escolha de Regina Casé não poderia ter sido mais acertada. Ela desempenha maravilhosamente o papel e transforma Val, com sua ingenuidade e coração grande, em uma das personagens mais incríveis do cinema nacional. Camila Márdila também está muito bem no papel de Jéssica, e o prêmio para as atuações das duas em Sundance foi mais do que merecido.


Por fim, Que Horas ela Volta? é um filme tão sincero que parece até um documentário. Muitos não vão gostar, mas uma das maiores riquezas do filme é mostrar o quanto o Brasil avançou na questão da desigualdade nestes últimos anos, principalmente ao mostrar a filha da empregada, nordestina e oriunda de escola pública, que com esforço conseguiu entrar para uma das melhores faculdades do país. Brilhante trabalho de Anna Muylaert.


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