quinta-feira, 28 de maio de 2015

Crítica: Casa Grande (2015)


Do estreante em longa-metragens Fellipe Gamarano Barbosa, Casa Grande entrou em cartaz esse ano no Brasil. Bastante simples em sua fórmula mas ao mesmo tempo complexo em seus detalhes, o filme chamou a atenção de boa parte da crítica especializada, principalmente depois de ser exibido no Festival de Paulínia, no interior do estado de São Paulo.


Jean (Thales Cavalcanti) é um garoto tímido de 17 anos que vive numa família de classe alta no Rio de Janeiro junto com seus pais Hugo (Marcello Novaes) e Sônia (Suzana Pires), além de sua irmã mais nova. Ele aparentemente leva a vida que qualquer adolescente gostaria de levar: tem tudo que quer, estuda numa escola particular e é levado aos lugares que deseja pelo motorista particular da família. O único problema é o controle excessivo dos pais por cada gesto seu, que faz com que sua vida seja rigorosamente controlada.

Essa vida boa começa a ser ameaçada depois que uma forte crise financeira atinge a família. Fica implícito o motivo principal, mas aparentemente seria algo a respeito de investimentos financeiros em ações que perderam valor. Hugo e Sônia tentam esconder isso dos filhos a todo custo, mas vai ficando cada vez mais difícil, sobretudo depois com alguns cortes como a demissão de funcionários da casa.


Sem motorista, Jean passa a utilizar o transporte público da Barra de Tijuca (bairro nobre do Rio) até o colégio São Bento, no centro da cidade. No ônibus ele conhece Luiza (Bruna Amaya), uma menina mestiça que estuda em um colégio público. Não demora para que eles engatem um namoro, mas apesar dela ser extremamente inteligente e educada, sua origem incomoda os pais do garoto que não a enxergam com bons olhos.

Apesar de abordar a história de uma família da alta sociedade, o filme não deixa de ter sua crítica social bem exposta. Alguns assuntos recorrentes da atualidade são bem discutidos, como por exemplo a questão das cotas raciais nas faculdades públicas e privadas e a desigualdade social, além das dúvidas que permeiam a cabeça de qualquer adolescente, como a sexualidade e as aspirações para o futuro. 

Com um bom roteiro, ainda que possua alguns furos e fatos inexplicados, o filme é sustentado pelos diálogos e pela excelente construção de cada personagem. Thales Cavalcanti e Bruna Amaya, que formam o casal adolescente, são ambos atores estreantes. Thales inclusive é verdadeiramente aluno do São Bento, e talvez por isso mesmo sua atuação seja tão convincente. Outra personagem que chama a atenção é Rita (Clarissa Pinheiro), empregada da família, que sem dúvida uma das mais interessantes do filme. Marcello Novaes e Suzana Pires, experientes que são, seguram as pontas com qualidade.


Por fim, Casa Grande se torna uma boa surpresa do novo (e subestimado) cinema nacional, que vem mostrando cada dia mais sua força. Sem grande divulgação, principalmente por não ser "cria" da televisão, é um filme despretensioso mas de grande presença, que merece ser apreciado.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Crítica: A Família Bélier (2014)


Na excêntrica família Bélier, todos os membros são surdo-mudos com exceção da jovem Paula (Louane Emera), filha mais velha do casal Rodolphe (François Damiens) e Gigi (Karin Viard). Por conta disso, ela acaba sendo a intérprete da família em quase todas as situações, sendo de extrema importância para a relação da família com o mundo exterior.



Vivendo em uma fazenda, a principal rotina de todos é cuidar dos animais e das plantações da propriedade, mas Paula ainda precisa reservar um tempo para os estudos. Apesar de ser tímida e viver uma vida quase reclusa, ela não deixa de ser como todas as outras adolescentes de sua idade: tem uma melhor amiga inseparável, um namoro mal resolvido e o mais importante de tudo, sonhos.

Incentivada pelo seu professor Thomasson (Eric Elmosnino), Paula descobre um dom seu até então desconhecido: o de cantar, e a partir de então começa a sonhar alto na carreira musical. A partir desse momento você vai ouvir muita música. Muita mesmo! E todas de extrema qualidade, graças à voz de Leouane Emera, conhecida por ter participado da edição francesa do programa de televisão The Voice.



O enredo faz uma análise bem humorada de pessoas que vivem na situação de completa surdez, e boa parte dos diálogos do filme são feitos através da linguagem de sinais, o que o torna ainda mais interessante. O clímax final é uma cena belíssima e inesquecível, e responde uma grande questão que permeia todo o filme: como apreciar o talento musical de sua própria filha sendo fisicamente incapaz de ouvi-la?

Sobre o roteiro, o único problema foi ter dado mais atenção à parte musical e ter deixado algumas histórias paralelas sem conclusão, como o próprio namoro de Paula com um colega de canto ou a eleição do pai para prefeito da cidade. Mas nada que tire o brilho e a graciosidade de tudo que é mostrado na tela, principalmente pela qualidade das atuações. Nessa questão vale ressaltar que Luca Gelberg, o irmão mais novo de Paula, é o único ator realmente surdo na produção, e todos os demais tiveram que aprender Libras para viverem seus personagens.



Fenômeno de público na França, A Família Bélier é o trabalho mais sensível até então do diretor Eric Lartigau. Seu bom humor e sua originalidade em contar uma história aparentemente simples é o que transforma ele em um dos filmes mais bacanas do último ano. Com certeza vale a pena!


segunda-feira, 25 de maio de 2015

Os vencedores do Festival de Cannes 2015


Ocorreu nesse domingo (24) a 68ª edição do glamouroso Festival de Cannes, considerado o principal festival de cinema do continente europeu. O grande vencedor dessa edição foi o longa Dheepan, do diretor Jacques Audiard, que se consagrou com a Palma de Ouro, prêmio mais importante do evento. O filme, que não constava na lista de favoritos de boa parte da crítica, surpreendeu todo mundo ao ser anunciado como vencedor. Dheepan conta história de um ex-guerrilheiro do grupo Tigres, que luta pela libertação da pátria de Tamil do Sri Lanka, que tenta a vida como imigrante ilegal na França.


Jacques Audiard com o ator do Sri Lanka Antonythasan Jesuthasan, protagonista de Dheepan.

O filme Saul Fia, do jovem cineasta húngaro Laszlo Nemes, foi premiado com o Grande Prêmio de Cannes, outra premiação importante do festival. O filme conta a história de um prisioneiro de um campo de concentração que, em meio à barbárie nazista, tenta enterrar dignamente seu filho segundo o ritual judeu. Outro filme que saiu premiado foi The Lobster, do grego Yorgos Lanthimos, escolhido como melhor filme pelo júri dessa edição, presidido pelos irmãos Ethan e Joel Coen.

La Tierra y la Sombra, do colombiano César Acevedo, foi o vencedor da categoria Câmera de Ouro, que premia o melhor filme de um diretor estreante. Exibido na "Semana da Crítica", o filme já havia recebido o Grande Prêmio desta mostra paralela. Além de César Acevedo, outro diretor latino também saiu premiado: foi o mexicano Michel Franco, que levou o prêmio de melhor roteiro por Chronic, excelente drama protagonizado pelo britânico Tim Roth.

O taiwanês Hou Hsiao-Hsien recebeu o prêmio de melhor diretor pelo filme The Assassin, sobre uma assassina chinesa na época da dinastia Tang. Para finalizar, teve ainda a premiação de Rooney Mara e Emmanuelle Bercot, que dividiram o prêmio de melhor atriz por Carol e Mon Roi, respectivamente, e o francês Vincent Lindon, escolhido melhor ator por La Lou Du Marché.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Crítica: O Julgamento de Viviane Amsalem (2014)


Em Israel, os rabinos são os únicos que podem realizar casamentos, assim como também são os únicos que possuem o poder de desfazê-los. Partindo dessa premissa, O Julgamento de Viviane Amsalem (Gett) conta a história da personagem título (Ronit Elkabetz), uma mulher que luta desesperadamente na justiça para conseguir seu divórcio de Elisha Amsalem (Simon Abkarian).



Para que um casamento seja desfeito no país os dois lados precisam consentir, sem exceção, e Elisha se nega veemente a "libertar" Viviane do casamento. É interessante analisar que a direção não se preocupou em mostrar o real motivo dela querer a separação, deixando isso implícito. Viviane simplesmente não é mais feliz ao lado de Elisha (talvez nunca tenha sido), e quer ter a chance de tentar a felicidade em outro lugar, e só isso já deveria ser motivo suficiente para ela conseguir o que quer.

Na disputa judicial, é Viviane contra um tribunal composto inteiramente por homens, que defendem uma lei arcaica feita por eles mesmos. Não querer mais dividir o mesmo teto com alguém que lhe causa repulsa é quase visto como um crime perante a sociedade, sobretudo quando tal ideia parte da mulher. E o mais incrível é como alguém pode querer continuar casado com uma pessoa que lhe odeia só pelo prazer de ver o outro infeliz?

Outro ponto interessante, é que são ouvidas durante o processo uma série de testemunhas, e cada uma delas tenta palpitar na vida do casal, dizendo o que é certo e o que é errado. Todos acham que sabem de tudo que acontece entre os dois, quando na verdade tudo não passa de suposições. É a velha história do "cuidado com a vida alheia", enquanto a sua própria é tão bagunçada quanto.



Os 115 minutos do filme se passam inteiramente da pequena sala do tribunal, e mesmo assim prende a atenção até o final, tamanha competência do roteiro. Com bons diálogos e até mesmo algumas cenas engraçadas, ele nos leva a conhecer um pouco mais do martírio que passam as mulheres em países onde elas tem pouco ou quase nada de direitos. 

Por fim, com boas atuações, principalmente de Ronit Elkabetz (que também dirige o filme), O Julgamento de Viviane Amsalem é um excelente tratado sobre a luta das mulheres ao redor do mundo por liberdade de expressão e pensamento. Viviane é um exemplo a ser seguido, de uma mulher forte que enfrenta de frente a sociedade machista.


segunda-feira, 18 de maio de 2015

Crítica: A Ilha dos Milharais (2014)


A divisa entre a Geórgia e a república separatista da Abecásia, cuja tensão política é grande desde a guerra que ocorreu na região entre 1992 a 1993, é feita pelo Rio Enguri. Todos os anos, durante a primavera, o rio sofre com a cheia, e a torrente de água acaba criando pequenas ilhas ao longo de sua extensão. Alguns camponeses aproveitam esse período, muitas vezes o único fértil do ano todo, para plantar nessas ilhas e juntar tudo que precisam para o resto do ano.



O filme acompanha a história de um homem (Ilyas Salman) que resolve aproveitar a estação do ano para cultivar uma plantação de milho numa dessas ilhas temporárias. Pouco a pouco ele vai construindo uma cabana no local e preparando o terreno, sempre contando com a ajuda de sua neta adolescente (Mariam Buturishvili). 

A aparente tranquilidade é o tempo todo ameaçada por soldados georgianos, que rondam o lugar de barco e fazem gracinhas com a jovem garota. A situação fica ainda mais perigosa quando um homem ferido acaba parando nos milharais, e o velho e sua neta devem escondê-lo dos demais.



A grande virtude do filme é mostrar a passagem do tempo com atenção máxima aos pequenos detalhes. Enquanto a jovem amadurece, o velho vai descobrindo que para o mundo continuar girando alguns ciclos se fazem necessários. Contemplativo e silencioso (basta ver que a primeira de poucas palavras é proferida apenas aos 20 minutos de filme), é um filme cuja exuberância das imagens falam por si.

O ritmo cadenciado não entedia, e consegue prender a atenção até o final. Escolhido pela Geórgia para representar o país no último Óscar, o filme do diretor George Ovashvili foi bastante elogiado em diversos festivais menos conhecidos, como o de Karlovy Vary na República Checa, onde foi escolhido melhor filme.


segunda-feira, 11 de maio de 2015

Crítica: O Sal da Terra (2014)


Concorrente ao Óscar de melhor documentário em 2015, O Sal da Terra (Le Sel de la Terre) é um dos melhores filmes do gênero que já tive a oportunidade de assistir, mexendo comigo como poucos até hoje conseguiram. Dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado, o documentário é uma biografia do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, mas vai muito além disso.



Nos últimos 40 anos, o fotógrafo mineiro Sebastião Salgado viajou pelos cinco continentes do globo, onde registrou com sua câmera alguns dos principais eventos da nossa história recente. Foi logo no começo da carreira que ele descobriu seu maior dom: fotografar o ser-humano e mostrar a alma de cada um através do olhar, e ninguém possui tamanha habilidade para isso como ele. Guerras, secas, fome, campos de refugiados, isso tudo fazia parte do cotidiano de Salgado, que registrou as mais belas e cruéis imagens da barbárie humana ao longo de sua carreira. 

Sua fase "social" é sem dúvida a mais chocante de todas. Seja registrando costumes indígenas da América Latina, ou expondo as terríveis condições humanas na África, o fato é que suas fotos doem na alma. São imagens poderosas, e é impossível não olhar para elas e não sentir vergonha da nossa raça, ou pelo menos um sentimento de impotência muito grande por saber que coisas horríveis acontecem por aí e não podemos fazer nada para ajudar.



A angústia de Sebastião Salgado foi tanta depois de tudo que viu que ele perdeu a fé na humanidade, e depois de décadas, não conseguiu mais registrar imagens como aquelas. "Várias vezes larguei as câmeras para chorar pelo que via", disse o fotógrafo com um olhar emocionado. Porém, ele seria incapaz de deixar sua paixão de lado, e foi então que resolveu iniciar uma nova série de fotos, onde registraria as belezas naturais do planeta, numa espécie de homenagem ao que ainda existe de bonito por aqui.

O documentário ainda termina abordando o projeto de replantio da mata atlântica que Sebastião Salgado iniciou junto com sua família, que mudou completamente a paisagem desmatada que antes existia ao redor das terras da família. No fim das contas, o sentimento que fica é de que deveriam existir mais pessoas como Sebastião Salgado. Um exemplo de homem, que tentou mudar o mundo através das suas lentes.



Por fim, O Sal da Terra é uma verdadeira celebração à arte da fotografia. A direção acertou em cheio ao mostrar quase tudo em preto e branco, como são a maior parte das fotos de Salgado. É certamente um filme para se apreciar e se apaixonar, e uma verdadeira lição sobre a nossa humanidade.


domingo, 10 de maio de 2015

Crítica: Kurt Cobain - Montage of Heck (2015)


A trajetória de Kurt Cobain, líder do Nirvana, já foi contada de diversas formas, e coube ao diretor Brett Morgen trazer essa história mais uma vez aos cinemas. Já considerada por muitos como a biografia definitiva do artista que revolucionou o rock nos anos 1990, Kurt Cobain - Montage of Heck é sem dúvida o musical mais esperado do ano.



O filme já começa com a lendária apresentação da banda no Brasil, famosa por ter Kurt entrando de cadeira de rodas e uma peruca loira no palco, um pouco antes de começar os primeiros acordes da explosiva Territorial Pissing. Logo já começam as entrevistas, primeiramente com a mãe, o pai e a irmã de Cobain, que vão relatando um pouco mais da sua infância e da sua tumultuada adolescência.

O que mais chama a atenção é justamente a participação dos três no filme. Em outros documentários sobre Cobain, como Kurt Cobain - Retratos de Uma Ausência lançado em 2009, eles eram apenas citados, e as entrevistas eram quase todas feitas com amigos da época e colegas de palco. Logo ficou claro que a intenção de Morgen desde o início era abordar primordialmente o laço familiar de Kurt, e mostrar como essa relação moldou sua cabeça ao longo dos anos.



Entre todas as entrevistas do filme a que mais surpreende de fato é a da ex-mulher e líder do grupo Hole, Courtney Love. Pela primeira vez ela ganhou voz e espaço (e principalmente aceitou de bom grado) para expôr seus sentimentos a respeito da relação que existia entre eles durante os anos em que foram casados. O começo da relação, os momentos de "perseguição" que viveram durante a gravidez de Frances Cobain, as brigas, o abuso de drogas e as causas que levaram à morte do companheiro, tudo é esclarecido sem papas na língua.

O diretor da produção levou mais de oito anos para reunir todo o material do filme, de fotos exclusivas da família a mais de 200 horas de filmagens inéditas do cotidiano de Cobain. Ao longo do filme, vemos o menino Cobain brincando com seus brinquedos quando pequeno, o jovem Cobain tocando seus primeiros acordes na guitarra, e o Cobain que todos conhecemos, fazendo coisas rotineiras que nunca haviam sido mostradas antes ao público, como algumas brincadeiras particulares com sua esposa Courtney Love na hora do banho e na hora de dormir.

Como já dito, o documentário teve a intenção de mostrar o lado mais humano de Kurt Cobain, e conseguiu isso muito bem. Entre tantas imagens reais, chama a atenção também o pertinente uso da computação gráfica, que mostra de forma animada fatos importantes na vida do cantor, além de "dar vida" aos seus diários, rascunhos de letras e desenhos. Literalmente entramos na mente de Kurt, o que ajuda a compreender um pouco mais sobre o que teria o levado ao trágico final.



Por fim, para quem gosta de Nirvana esse é um documentário imprescindível, mas ao mesmo tempo, a narrativa confusa, principalmente nas partes com efeitos visuais, afasta logo de cara quem não é fã da banda. Evidentemente que a trilha sonora compensa, e só por isso já vale a pena cada segundo.


Recomendação de Filme #56

Minha Vida Sem Minhas Mães - Klaus Haro (2005)

O cinema finlandês é conhecido por sua frieza na hora de contar histórias, e mesmo sendo o centro cinematográfico mais modesto entre os países nórdicos, é talvez o melhor dentre eles. Entre suas obras de maior qualidade uma se destaca em especial: Minha Vida Sem Minhas Mães (Aideista Parhain), de Klaus Haro, que num dia especial como hoje, dia das mães, é a oportuna recomendação da vez.


A narrativa aborda um episódio trágico que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, e que até então era pouco conhecido. Durante a ocupação nazista, mais de 70 mil crianças finlandesas foram enviadas para um espaço neutro na Suécia, sendo acolhidas por famílias voluntárias que iriam adotá-las e ficar com elas até o fim dos conflitos. Entre essas crianças estava Eero (Topi Majaniemi), um menino de nove anos.

No novo país, Eero é recebido por um jovem casal. O novo ambiente e principalmente a nova rotina alteram drasticamente a vida do garoto, que no princípio não sabe nem falar a mesma língua que os donos da casa. Além disso, Signe (Maria Lundqvist), a sua "nova mãe", não aceita bem sua chegada pois estava esperando ansiosamente por uma menina.


A relação de Eero e Signe no começo é bastante conturbada. A mulher é uma verdadeira muralha de sentimentos e não consegue abrir mão disso para cuidar do menino. Ele por sua vez começa a tratá-la mal, nutrindo dentro de si uma mistura de saudade de casa com o sentimento de não ser bem vindo no lugar onde está. Com o tempo, no entanto, os dois vão se aproximando.

Ao longo do filme é possível criar uma forte empatia com a personagem de Signe, que no começo chega a ser odiável. O passado, mostrado em flashbacks, nos faz compreender melhor o motivo dela ser tão fechada em si mesma, e quando a verdade vem à tona, dói junto no espectador. Ao mesmo tempo, a história de Eero antes de sair de casa também é revelada, e enxergamos motivos suficientes para entendermos o porquê dele ser tão desconfiado e arredio.


O enredo do filme trata com primor, e sem ser apelativo, o doloroso impacto de uma guerra na vida das pessoas, principalmente das crianças. Mas acima de tudo mostra como o amor verdadeiro pode vir muitas vezes das pessoas que menos esperamos e nas situações mais adversas. O final é inesquecível, e deixa um nó na garganta difícil de desarmar. A trilha sonora também é épica, mas o mais impressionante de tudo ainda é ver o garoto Topi Majaniemi em cena, sem dúvida uma das maiores atuações infantis que já vi no cinema.

Delicado e singular, o filme de Klaus Haro é uma joia rara do cinema europeu, e merece ser mais conhecido. Recebeu 11 prêmios internacionais no ano do lançamento, e chegou a ser apresentado na Mostra de Cinema de São Paulo, mas jamais foi lançado comercialmente nos cinemas daqui, somente em DVD. Se tiverem a oportunidade de assistí-lo, não percam, pois vale cada segundo.


terça-feira, 5 de maio de 2015

Crítica: CBGB - O Berço do Punk Rock (2014)


Se o punk rock se tornou febre nos Estados Unidos no final dos anos 70, muito se deve à figura de Hilly Cristal. Mas afinal, que era esse cara, de onde surgiu, e qual foi sua real importância para a cena? É isso que tenta mostrar Randall Miller em seu novo filme CBGB - O Berço do Punk Rock.



Em 1973, o decadente Hilly Cristal (Alan Rickman) teve a ideia de abrir uma casa de shows em Manhattan, Nova Iorque, como tentativa desesperada de sair do "buraco" em que vivia. A princípio, a ideia era que o bar servisse de palco para bandas de country e blues, abrindo espaço para os gêneros até então pouco conhecidos na região, mas as circunstâncias levaram o bar a tomar um rumo completamente diferente, se tornando o berço do punk rock e um dos lugares mais importantes da história da música norte-americana.

O nome completo do bar era CBGB & OMFUG, que numa tradução literal significava algo como "Country, Bluegrass e Blues & outras músicas para colocar gordos para suar". No pequeno espaço surgiram bandas que logo se tornariam icônicas, como Ramones, Television, Blondie, The Police, Taking Heads, Patti Smith e The Dead Boys, sendo para a maioria delas a sua primeira vez em cima dos palcos.



Com o passar dos anos o bar foi alcançando cada vez mais fama internacional, e grandes bandas do planeta tocaram no local, mesmo sendo pequeno e nada aconchegante, como Guns N' Roses, Red Hot Chili Peppers, Pearl Jam, Green Day, entre outras. Na cerimônia que incluiu a banda Talking Heads no Rock n' Roll Hall of Fame em 2002, todos os membros agradeceram o apoio que receberam de Hilly Cristal no início da carreira, e ele chegou a subir no palco para ser homenageado, na frente de milhões de espectadores e telespectadores.

O filme consegue captar toda a energia que existia naquele lugar e mostra bom humor toda essa trajetória incomum de um bar que tinha tudo para dar errado, e suas histórias mais mirabolantes, muitas delas contadas no livro "Mate-me Por Favor" de Larry McNeil e Gilliam McCain, que vivenciaram tudo de perto.



O elenco é um caso à parte. Alan Rickman (o eterno Severo Snape da saga Harry Potter) está excelente no papel de Cristal, em uma atuação elogiável. Outros nomes conhecidos são o de Rupert Grint (também famoso por Harry Potter), na pele de um punk maluco, o irreconhecível Johnny Galecki (o Leonard da série de tv The Big Bang Theory) e até mesmo o baterista do Foo Fighters, Taylor Hawkins, na pele de Iggy Pop. 

Por falar no personagem de Iggy Pop, a personificação das bandas também é impecável, com todos os atores parecidíssimos com os músicos originais. Destaque para os Ramones e a voz baixa e doce do vocalista Joey Ramone. O enredo tem suas falhas, mas isso não estraga de forma alguma o resultado final, até porque a trilha sonora vale pelo filme todo. Por fim, CBGB já se tornou um filme obrigatório no currículo de todo amante do gênero, e já nasce sendo um clássico.